Odilon Ramos
E aqui estou eu meu gaudério em tempos de guerra e paz sou aquela que te espera sem saber se tu virás
Nestes serões solitários entre agulhas de costura e velhos livros que li fui alinhando as idéias alinhavando verdades até que um dia entendi
Sou a história repetida eu já vivi outras vidas eu já fui outras mulheres antes de ser a que sou
Acho que até fui Maria Maria de Nazaré De a cavalo, num burrinho, com Jesusinho no colo a seguir o bom José
Quanta vez de tardezita cevei o mate solita e mateei bombeando a estrada
Qualquer nuvem de poeira qualquer sinal de galope já me acendia a esperança mas que esperança, que nada
Na minha ingenuidade era tudo o que eu queria um rancho pra ser meu rancho um peão pra ser meu peão filhos pra chamar meus filhos um terreiro com galinha, vassoura, fonte e fogão
Fui das páginas da história aos sonhos do faz de conta na guerra, fui cabo toco uma mulher que peleou
Fui Anita e Ana Terra fui a parda margarida que pra casar com Inácio fez pedido a Santo Antônio prometendo uma capela e uma cidade gerou
Fui mãe de heróis e teatinos desposei peões e caudilhos e nem esposos, nem filhos reconheceram a seu tempo minha fibra, meu valor
Quem percorrer a querência pelos caminhos da história decerto me encontrará
Varrendo um velho terreiro ou assando pães no forno lavando roupas na sanga costurando uma bombacha ou tecendo um bichará
Acalentei no meu colo e amamentei no meu seio o meu Rio Grande piá
Sem queixas e sem lamentos fiz das esperas motivo para continuar vivendo e deixando a vida passar
Por que no fundo eu sabia que quando daqui me fosse uma filha ou uma neta viveria em meu lugar
E por justiça se diga que nem tudo nessa vida de simples mulher pampiana tenha sido só tristezas, trabalhos e desencantos
Eu já dançei a tirana já bailei nas amadas Já fui prenda cortejada nos fandangos de galpão
Também já fui disputada em desafios de chula e peleia de facão
Eu, eu já vivi tantas vidas Eu já fui tantas mulheres e outras que por certo serei
Por que aquela guriazita que vês brincando de boneca sem ver o tempo passar já sou eu, antecipando um tempo que vai chegar
Muda o tempo, muda a gente, sou mulher independente, forte, livre e emancipada mas no fundo sou a mesma
Ainda frágil, ainda fêmea Ainda à espera que me tragas segurança, afeto, achego e me estendas um pelego e convide para sestear
E aqui estou eu meu gaudério em tempos de guerra e paz sou aquela que te espera sem saber se tu virás |
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